O cheiro era diferente de tudo o que já havia sentido.
Uma mistura de temperos, doces e carne putrefata. Nada era palpável, tudo
parecia surreal. E ao mesmo tempo, tudo parecia estar realmente ali. Os tijolos
amarelos se estendiam por quilômetros e quilômetros e se perdiam no horizonte,
tanto a norte, quanto a sul. Os corpos estavam jogados por todos os lados.
Árvores já criavam suas raízes por cima deles e a grama já cobria a outra
parte. Era estranha aquela visão. Mortos, mas sem se decompor. Eram centenas de
milhares de corpos e estes também se perdiam no horizonte. Aqueles eram os
restos de uma batalha antiga, travada nos primórdios do mundo. O tempo ali
parecia não passar nunca e em contrapartida parecia estar se acelerando,
parando e regressando novamente. O ar era pesado, o cheiro estranho e o caminho
desolado.
- Para onde devo ir? – perguntou ele.
- Para frente. – respondeu uma voz que não pertencia a
nada e a ninguém, mas vinha de tudo e todos os lados.
- Onde é a frente?
- Onde não for atrás.
Óbvio. Mas qual caminho tomar? Sul ou Norte? Qual era o
caminho para frente? Era isso que ele pensava naquele momento e vários
xingamentos passavam por sua mente atrapalhando sua decisão. Por fim, resolveu
ir para o sul. As estradas eram idênticas, feitas de tijolos amarelos e com
cadáveres e árvores ás centenas se aglomerando á sua volta. Algumas das árvores
lhe davam medo. Elas tinham rostos desenhados no tronco e estes rostos eram
terríveis. Era como se expressassem o sofrimento eterno a que haviam sido sujeitas.
O caminho estava cheio disso. Sofrimento. E este não era uma boa companhia
quando se caminhava num lugar desconhecido.
Desconhecido para muitos, mas para ele, nem tanto. Ele
visitava aquela estrada desde que tinha dez anos e desde então, nunca tivera
muita sorte no caminho de tijolos amarelos. Lembrava-se da primeira vez que
havia estado ali. O caminho o assustava como sempre o fizera desde então, mas
havia um homem (ou seria uma mulher?) parado em frente à uma destas árvores.
- O-onde estou? – perguntou a pobre criança.
- Você está aqui.
- E onde é aqui?
- Aqui é onde tem que ser e onde sempre foi. Mas pode
ser que não seja, ou que talvez nem tenha sido. Pode ser que não tenha estado
aqui e talvez nunca esteja. Bom, este é o lugar em que você está e é aqui,
exatamente aqui, que tudo começa.
- O que começa?
- O início.
- Sim, início e começo são a mesma coisa.
- Talvez tenham o mesmo significado, mas se fossem a
mesma coisa não seriam palavras diferentes.
Aquilo o deixou confuso. Tinha somente dez anos e
aquele cara (ou mulher) o estava deixando irritado com aquela conversa de
loucos.
- Porque estou aqui?
- Por que tem que estar.
- Você vai me responder tudo desta forma?
- As respostas nem sempre são tão objetivas quanto as
perguntas, mas muitas vezes, podem significar mais do que aparentam.
- Não entendi.
- Não esperava que entendesse. Você está aqui para
escolher.
- Escolher o que?
- O caminho para frente.
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